Folha de São Paulo 20/07/2019
Usar celular ou abraçar árvores?
Da fama de hippie, a pedagogia Waldorf,
que completa cem anos, é hoje mencionada como inspiração até pelas mais caretas
das escolas. Alguns dos pilares existentes desde a sua fundação, na devastada
Alemanha pós-Primeira Guerra, tornaram-se atraentes para colégios tradicionais
que buscam dar conta da demanda por uma formação mais abrangente.
O aprendizado interdisciplinar é um deles. Na
Waldorf, a matemática, por exemplo, surge na amarelinha, nas aulas sobre o
Egito e no tricô. Outro é o autoconhecimento, cultivado no incentivo às artes
manuais, ao movimento corporal e ao contato com a natureza. Não faz tempo que
esses eram conceitos “alternativos”. Agora são ofertados como diferencial por
quem martelava o marketing do “ensino forte”.
Mas tem algo da Waldorf que é visto como
extraterrestre: o fato de ser contra o uso da tecnologia na infância. O
entendimento é o de que a criança precisa se desenvolver antes de ser exposta
às telas, a fim de que possa dominá-las, ao invés de ser controlada por elas.
Na maior parte dos colégios de outras linhas,
quanto mais cedo, melhor, e os tablets invadem até o ensino infantil.
A Federação das Escolas Waldorf do Brasil, com 88
filiadas e 180 em processo de filiação, tem convicção de que o cenário mudará
em breve, diante dos prejuízos causados pelo excesso de tecnologia.
Os problemas são mesmo inegáveis. Em resposta à
crescente demanda de famílias desesperadas, o Hospital das Clínicas se prepara
para atender adolescentes dependentes de tecnologia a partir do segundo
semestre. Os sintomas se assemelham aos do vício em álcool e drogas, como
ansiedade, depressão, agressividade e abandono dos estudos.
Se executivos de empresas de tecnologia do Vale do
Silício estão matriculando os filhos em escolas Waldorf, cabe devanear com um
futuro em que, pedagogias à parte, dar celular para bebê soará mais exótico do
que abraçar uma árvore.
Laura Mattos
Jornalista e mestre pela USP, Laura Mattos está na
Folha desde 2000; desde 2016 produz reportagens especiais.
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